Sindrome de Asperger ou transtorno do espectro autista?
Sábado, 29 de outubro de 2016
Guilherme é falante, olha nos olhos, conversa com estranhos, ama ganhar abraços e brinca de imaginar. Não parece a descrição de um autista, certo? Mas é exatamente o que ele é, autista leve ou asperger na classificação antiga.
Meu filho saiu do autismo propriamente dito para o asperger (autismo leve), depois de tantas terapias e tratamentos, bem como dedicação intensa e exclusiva com o desenvolvimento dele.
Desde 2013 o DSM-5 - Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, excluiu a classificação de Síndrome de Asperger e passou a incluir como Transtorno do Espectro Autismo todos aqueles que antes eram classificados como Asperger, passando então a serem chamados de Autistas em grau leve, ou seja, aquele que não está enquadrado no autismo clássico. Então, na teoria o que muda é apenas o nome. O asperger é considerado autista. Isso facilita a questão dos tratamentos, obtenção de benefícios e também do próprio diagnostico. Isso porque para diagnosticar uma pessoa como portadora do Transtorno do Espectro Autismo ela precisa ter três déficits de interação social e de comunicação e pelo menos dois comportamentos repetitivos.
Na prática existem diferenças importantes entre o Asperger e o Autista. Gui, às vésperas de completar sete anos de idade tem comportamento e enquadramento asperger, novamente lembrando que o asperger é reconhecido pela medicina como autista leve.
O autista tem estereotipias, ausência ou atraso do desenvolvimento da fala, dificuldade ou nenhum interesse em interagir. Via de regra há deficiência intelectual, restando uma pequena porcentagem que se destaca pela inteligência acima da média. Autistas se prendem a rituais, têm necessidade de rotina e não reagem bem à imprevistos. Guilherme era classificado como autista, pois tinha esses e ainda mais sintomas presentes em sua vida.
O Asperger possui inteligência preservada, na maioria das vezes em maior grau que a maioria de seus pares da mesma idade. Têm a fala preservada, ainda que ela apareça mais tarde do que o esperado, adoram interagir com as pessoas, mesmo que isso lhes cause sofrimento e tenham dificuldades de se inserir no contexto proposto. Um asperger não se prende a rituais e rotinas, mas tem um interesse restrito tão acentuado que por vezes podem perturbar quem convive com eles. Eu, que sou mãe, tenho uma tolerância fora do comum, jamais perco a cabeça, mas às vezes me dá uma tristeza tão grande que é difícil levantar a cabeça e se preparar para a próxima. Acredito que toda mãe de filho especial experimente esta sensação ao menos uma vez na vida.
Um exemplo, no caso do Guilherme é a fixação por carros. Ele é capaz de repetir centenas de vezes a mesma história sobre o carro que alugamos como também pode falar sem parar o mesmo assunto emendando uma frase na outra. Como se fosse um ciclo que tem início, meio e fim, mas ao final de cada ciclo ele começa tudo de novo. Por exemplo, ele chega educadamente e diz: "Oi, gostei do teu carro, ele é brilhante". Aí a pessoa se encanta, fica feliz com aqueles enormes olhos e voz doce, então a pessoa lhe pergunta algo e ele diz de novo: "Oi, gostei do teu carro, ele é brilhante", aí a mamãe entra em cena e pede que ele explique para a pessoa o que está acontecendo. Então ele se apresenta autista e diz que é apaixonado por carros. Geralmente ganhamos lindos sorrisos. Às vezes não ganhamos nada além de um olhar reprovador.
Acontece também de desencadear o que chamamos de "desorganização", que é a perda de controle e de noção de tempo e espaço. Ainda ontem fomos fazer uma visita para a amiguinha dele, a Rafaella. Ele pediu que a mãe dela o deixasse entrar no carro que estava estacionado e ela prontamente disse que sim, afinal, Rafa pediu junto para agradar o amigo. Não deu tempo de eu explicar que não podia e eles já estavam dentro do carro para meu total desespero. Aproveitei a conversa e as risadas gostosas na sala da minha amiga Ana Carolina, afinal, eu sabia que a tempestade emocional surgiria e não iria demorar. Logo que Rafa o convidou para fazer outras coisas começou o choro, logo o choro ficou incessante, a razão se perdeu e ele só conseguia enxergar o carro, queria ficar lá abrindo e fechando as portas. Deixamos mais um pouco e então fui até ele sem conversa muito longa, o retirei do carro e expliquei que tínhamos que ir embora. ele não conseguia se conformar.
O Asperger tem uma boa noção de responsabilidade. Ao ficarmos a sós no meu carro ele prontamente tapou os olhos e baixou a cabeça, já sabia que eu iria lhe chamar atenção. Virei o espelho em sua direção e aproveitei sua total consciência para lhe explicar que foi errado, que precisamos melhorar e que mesmo com outras pessoas por perto eu não vou permitir que ele faça o que não é permitido. Ele ouviu calado e ao chegar em casa ele me pediu desculpas e perguntou se a Rafaella ainda seria sua amiga. Segurei o choro no pulmão, a emoção é grande demais por estes progressos do meu filho. Lhe falei que ela estava chateada, mas que eles iriam se entender. Horas mais tarde quem sofreu foi meu travesseiro coberto de lágrimas com um misto de sentimento de alegria pela evolução no comportamento e entendimento do Gui e uma dor inexplicável por ver meu filho deixando de aproveitar bons momentos chorando e isolado em seu interesse particular.
Por tudo isso recebo muitos questionamentos sobre meu filho ser realmente autista. Muitas vezes, na maioria das vezes na verdade, os sintomas passam despercebidos. Gui tem o temperamento doce, é comunicativo, se preocupa com o bem estar dos outros. Mas na escola ele chora, fica ansioso, não gosta dos constantes eventos que são barulhentos. Sente medo de ir e ficar longe de mim. Então lá ele aparenta muito mais do que quando está comigo, até porque comigo ele tem liberdade para ser exatamente quem ele é, com os outros existe a cobrança. por mínima que seja, de que ele se enquadre em com contexto social para o qual ele não está preparado. Eu cobro dele sim, mas adapto o mundo a ele para que ele se desenvolva, não o exponho a situações que possam lhe desorganizar, mas sempre preparo ele com conversas e muito amor.
Guilherme é asperger, tem um prognóstico de futuro excelente, provavelmente irá trabalhar com algo relacionado às suas paixões. Vai se transformar em um cara diferente, mas com total capacidade de comandar sua própria vida. Todo esse apoio que estamos dando com todos os atendimentos que faz e o amor que recebe lhe dá maiores chances de se desenvolver com saúde emocional e física.
Mas a verdade é que sempre estarei aqui para amá-lo e protegê-lo, sendo ele independente ou não. Não costumo pensar nisso, apenas me dedico intensamente para lhe derramar o meu amor, entrar em seu mundo com sua permissão e trazê-lo para o meu, para assim ele enxergar o mundo com os meus olhos e dar a ele o poder escolher em qual dos mundos passará a maior parte do tempo.
Portanto, não existe um manual do que é verdadeiro e bom para cada ser humano. As classificações existem dentro o TEA, mas elas podem ser superadas, vencidas e alteradas. Nossa dedicação com nossos autistas é constante, ano após ano, dor após dor, vitória após vitória. Apenas estamos aprendendo a aperfeiçoar o que já foi feito de forma perfeita por Deus.
Toda nossa dedicação e amor é recompensada a cada progresso experimentado pelos nossos filhos. Nunca caia no erro de comparar seu filho com outro filho ou criança da mesma idade. Temos que comparar eles com eles mesmos. O quanto evoluíram e venceram a si mesmos, suas lutas e dores. Por menor que seja o progresso, ainda que seja apenas pelo olhar ou numa cama de hospital, todo progresso é abençoado e nos ensina a ser melhores para o mundo.
Beijos de luz e paz. Mamãe.
kenyadiehl@gmail.com
facebook/kenyatldiehl
Twitter: @KenyaDiehl
Fonte: http://olhandonosolhos.blogspot.com.br/2016/10/sindrome-de-asperger-ou-transtorno-do.html?m=0