Dia dos Namorados: MPTO alerta sobre limite entre o cuidado e o crime nos relacionamentos
O Dia dos Namorados se aproxima, trazendo consigo o clima de romance, troca de presentes e celebrações do amor. É um período para valorizar os laços afetivos e a parceria. No entanto, para além do brilho das comemorações, é importante refletir sobre a natureza desses relacionamentos. Quando o que deveria ser cuidado e carinho se transforma em controle, invasão, e, em última instância, incorre em crime? A promotora de Justiça Isabelle Figueiredo alerta para os sinais que diferenciam um "namoro legal" de uma relação tóxica e potencialmente criminosa.
Namoro legal: confiança e respeito
Segundo a promotora, o pilar fundamental de qualquer relacionamento saudável é a confiança. A constante necessidade de vigilância, que muitas vezes se manifesta em atitudes como conferir o celular do parceiro, verificar sua localização ou instalar aplicativos de rastreamento, é um indicativo claro de que algo está errado.
"O namoro tem por base a confiança. É fundamental que o relacionamento que se desenvolva seja um relacionamento de confiança," afirma Isabelle Figueiredo. Ela destaca que a paz no relacionamento é essencial, tanto para quem se sente aflito com o que o outro pode estar fazendo, quanto para quem sofre com as ações de vigilância constante. "Essa toxicidade do relacionamento dá muitos sinais desde sempre, e é muito importante que se observe isso, porque a tendência é que essa situação cresça ao longo da relação."
A promotora destaca que namoro verdadeiramente legal se constrói sobre:
- Respeito mútuo: valorizar opiniões, sentimentos, limites e a individualidade do outro;
- Confiança e honestidade: a base para a segurança e tranquilidade;
- Comunicação aberta: dialogar sobre tudo, inclusive discordâncias, de forma respeitosa;
- Apoio ao crescimento individual: incentivar projetos pessoais e a convivência com outras pessoas;
- Consentimento: respeito às vontades e decisões em todas as esferas.
Quando o “cuidado" vira controle
O que começa com um aparente "cuidado" pode rapidamente evoluir para um controle abusivo. Isabelle Figueiredo aponta que essa escalada é comum e perigosa: "existem vários relacionamentos em que a pessoa começa querendo: 'Ah, deixa eu dar uma olhada nas suas redes sociais'. Então, ela começa a vasculhar a rede social, depois passa a querer checar as mensagens que foram recebidas, para quem foram enviadas e qual era o teor dessas mensagens”. Esse comportamento pode se estender para desconfianças sobre horários, companhias e até mesmo a anulação da identidade do outro.
Ela ressalta que é importante estar atento a "bandeiras vermelhas" como:
- Ciúme excessivo e possessividade.
- Tentativas de controlar roupas, amizades, redes sociais e horários.
- Críticas constantes, humilhações e piadas ofensivas.
- Isolamento do parceiro de amigos e familiares.
- Chantagem emocional e explosões de raiva.
- Invasão de privacidade, como checar celular sem permissão.
Essa invasão de privacidade, dependendo da forma como ocorre, pode configurar crimes como o de stalking (perseguição), previsto na Lei nº 14.132/2021, que criminaliza a perseguição reiterada, por qualquer meio, que ameace a integridade física ou psicológica da vítima, restrinja sua liberdade ou invada sua privacidade.
De janeiro a maio de 2025, o Tocantins já registrou 367 ocorrências de perseguição, podendo ser passionais ou não, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública. Esse número é levemente superior ao mesmo período de 2024, quando foram registrados 353 casos. Ao longo de todo o ano passado, foram 908 ocorrências — o que reforça a necessidade de atenção aos primeiros sinais de controle excessivo nos relacionamentos.
Violência psicológica e patrimonial
Muitas vezes, o abuso não deixa marcas físicas, mas as feridas psicológicas são profundas e igualmente devastadoras. A promotora ressalta que o controle pode se manifestar pela anulação do outro, transformando-o em um objeto. "É aquilo que chamamos de posse. Trata-se da objetificação do outro, de chamar o outro de 'coisa para si'. Então, acaba-se anulando aquela pessoa, o que atinge diretamente o psicológico," explica.
Essa violência psicológica é reconhecida pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher (Art. 7º, II), e pode incluir ameaças, intimidação, manipulação e humilhação.
O controle também pode se estender à esfera financeira, configurando violência patrimonial. A promotora alerta para situações em que um dos parceiros assume o controle total das finanças do outro, muitas vezes sob o pretexto de que este "gasta com besteira". "Muitas vezes, no casal, um dos dois – na maioria das vezes os homens acabam assumindo esse papel – recolhe, inclusive, o cartão, o dinheiro que aquela mulher recebe e diz: 'Não, agora isso aqui vai ficar sob a minha gestão porque você gasta com besteira'. Essa 'besteira', na verdade, são as escolhas dela. E assim, mais uma vez, essa pessoa é anulada, reduzida a uma objetificação para que o outro aufira ganho e controle o dinheiro," detalha. Isso, segundo ela, é uma violência patrimonial, e as mulheres, e os homens também, precisam ficar muito atentos.
O desrespeito disfarçado
Comentários depreciativos sobre o corpo, a aparência ou o comportamento do parceiro, mesmo que disfarçados de "brincadeira", são formas de agressão e não devem ser tolerados. Isabelle Figueiredo exemplifica: "muitas vezes, surgem falas como: 'Ah, porque você engordou', 'porque agora seu cabelo não está bom', 'não corta o cabelo que eu não gosto', 'não faz isso que eu não gosto', “Vou te presentear com número de manequim menor pra te incentivar a emagrecer” Tudo isso, reitero, é uma forma de aniquilar o outro. Isso não é amor, é objetificação".
Além do stalking, outros crimes também podem surgir em contextos de relacionamentos abusivos. Um exemplo é o registro não autorizado da intimidade sexual, previsto no Código Penal. Nos primeiros cinco meses de 2025, o Tocantins registrou nove casos desse tipo de crime — número um pouco inferior ao mesmo período de 2024, que teve 11 registros. Em todo o ano de 2024, foram 24 casos com 27 vítimas.
Já a divulgação de cenas de estupro ou pornografia, embora nem sempre esteja ligada diretamente a relacionamentos, também pode ser usada como forma de vingança ou exposição da vítima. De janeiro a maio de 2025, foram 34 registros desse crime no Tocantins — abaixo dos 41 registros do mesmo período em 2024. No total, o ano passado fechou com 98 ocorrências e 100 vítimas.
Buscando ajuda
Se você está vivenciando um relacionamento abusivo ou conhece alguém nessa situação, é fundamental buscar ajuda. Não se isole. Existem canais de apoio e denúncia:
- Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher (oferece orientação e encaminhamento).
- Polícia: registre um Boletim de Ocorrência na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) ou em qualquer delegacia comum. Solicite medidas protetivas.
- Rede de Atendimento Psicossocial: Cras, Creas e Centros de Referência da Mulher.
- Ministério Público do Tocantins: denúncias pela Ouvidoria (127), pelo site da instituição, pelo aplicativo MPTO Cidadão ou nas Promotorias de Justiça locais.
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